Não me lembro da primeira vez que vi o mar, pois
morava há uns duzentos metros da praia do Mucuripe e uns dois quilômetros da
Praia do Futuro. Quando abri os olhos para a existência, portanto, ele já
estava lá, tão antigo quanto o mundo. Do meu bairro, situado no alto de uma duna
ancestral de Fortaleza, era só andar um pouco que se podia avistar o verde mar,
que alimentou meus avós e meus pais. O mar era o meu quintal d’água.
Então, desde criancinha, ia sempre à praia. Porém,
da primeira vez que entrei sozinho no mar e fui surpreendido, nunca esqueci.
Foi um misto de emoções: contemplação, susto e medo.
Tinha oito anos e eram férias escolares. Desci com
os meus pais até a Praia do Futuro. O Oceano Atlântico me surpreendeu com sua
beleza, sua incrível extensão de água verde, com ondas brancas que rolavam até
onde os meus olhos podiam ver, sob um céu claro e um sol de verão, brilhante e
quente, cujos raios de luz eram afiados como canivetes.
Fiquei encantado com a visão e o som daquelas ondas
sem fim e mal podia esperar para entrar na água. A princípio não fiquei com
medo, como muitas crianças que ficavam a se deparar com aquele pedaço de
infinito. Era como se me chamasse. Meus pais distraídos não me viram largar as
sandálias na areia e correr freneticamente em direção ao mar.
Ninguém me avisou sobre o poder colossal de uma
onda. Antes que eu soubesse o que tinha acontecido, fui atacado por uma parede
de água em movimento e arremessado contra parte rasa da areia molhada.
Sentei-me cuspindo e tossindo água salgada que passava ardendo em minha boca e
nariz. Minha testa e meus braços estavam avermelhados e arranhados. Veloz como
uma albatroz, a minha mãe veio em meu socorro e me levou para a faixa de areia.
Fiquei magoado, chocado e, sobretudo, muito confuso.
Claro que tive medo de entrar no mar novamente.
Sentei-me no raso e fiquei, ainda chateado, encarando as ondas. Olhava tudo: o
horizonte, os surfistas singrando as águas, as pessoas nadando, as crianças
brincando, os navios ao longe. Mesmo criança, assustado e atento, com o tempo,
fui lendo as cadências das ondas, onde elas eram maiores, onde quebravam, o
intervalo de uma onda a outra. Uma hora depois, para não desperdiçar aquela
manhã de domingo, entrei no mar novamente, mas com os meus pais. Prevenido, o
mar não me pegava mais. O medo cedeu lugar ao divertimento. E eu estava fazendo
as pazes com ele, selando uma amizade duradoura.
Esse episódio, na Praia do Futuro, me marcou
profundamente e me trouxe uma rica lição. A vida é como o mar. Em um minuto,
estamos vadeando em águas pacíficas e, no momento seguinte, somos atingidos por
uma onda poderosa que nos derruba. Às vezes, a onda estava lá, vindo em nossa
direção, mas não dávamos importância. Uma onda pode nos deixar atordoados e sem
fôlego. Somos derrubados, atirados na areia ou puxados para baixo. E se o mar
nos arrastar e nos afundar, lutamos para respirar e voltar a superfície. A vida
como o mar é repleta de ondas de alegria, de prazer, de dor e de tristeza que
fluem incessantemente. Contudo, devemos respeitá-lo na sua imensidão, mistério
e imprevisibilidade. Se aprendermos a lê-lo, se acostumarmos com ele, tentando
conhecer os seus meandros e, claro, se aprendermos a nadar e a saltar suas
ondas, ou mesmo surfar, não será antagonista, mas nosso amigo.
Ele está lá todos os dias, esperando-me por meus
pés sobre suas águas e sentir a sua força infinita. A cadência perpétua do
vasto mar traz essas ondas que fluem, ora calmas, ora agitadas. Perceber que a vida é um ciclo é importante, porque seremos
constantemente gratos, visto que sempre haverá algo para ser grato, apesar das
quedas e arranhões.
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