Ana Miranda sobre o livro "Fortaleza voadora", de Pedro Salgueiro
Fortaleza voadora, a expressão que dá título a este livro de crônicas, tem pelo menos dois sentidos. O primeiro refere-se ao pesado avião bombardeiro norte-americano que, durante a Segunda Guerra Mundial, pousava e decolava no campo do Pici, onde ficava uma das bases aéreas do Ceará, aberta aos aliados. O segundo sugere a palavra popular, local, de tom burlesco: voador significando distraído, e, por extensão, otário. Bem de acordo com nosso Pedro Salgueiro, que guarda em si a tradição dos dichos, da jocosidade, da graçola, da sátira cearense. Nascido na cidade sertaneja de Tamboril, que visitei recentemente, Pedro carrega, ainda, uma ironia devastadora, e cultiva uma hostilidade atilada contra o lirismo, o traço poético, ou a linguagem beletrista. Ele é seco, de pedra, feito aquelas paisagens de caatinga, no verão, ou os estampidos de armas de fogo que ressoam pela recordação sertaneja. Fortaleza, para Pedro Salgueiro, é a cidade madrasta. Quando mudou-se do sertão dos Inhamuns para residir na capital, ele sentiu a perda do paraíso. Acabara-se a infância, a liberdade das ruas e quintais interioranos, as brincadeiras soltas. Portanto, sua relação com a cidade é contraditória. Vai do ódio agourento, como vejo na primeira das crônicas deste livro, ao amor mais bucólico e radiante, presente em “Da memória dos relógios”, que fecha este volume com um sentimento de nostalgia. A saudade, aliás, é um dos afetos do nosso autor, que, no entanto, dosa qualquer doçura com um toque ranzinza e divertido.
[http://www.jornaldepoesia.jor.br/psalgueiro.html]
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